Hospital

- Estou um bocadinho nervosa.. - Disse apenas, soltando a mão para a limpar. O meu coração estava novamente acelerado, toda eu estava alterada e acelerada como tenho andado nos últimos tempos. Voltei a dar-lhe a mão e coloquei a outra na barriga. Respirei fundo e olhei em redor, esperando que me chamassem

- Não estejas, vai tudo correr bem - Eu tentei tranquilizá-la mas na verdade também estava um bocadinho apreensivo. Não o podai evitar. Sempre que estávamos no hospital lembrava-me do de Las Vegas, quando descobríramos aquilo tudo. E era por isso que eu encarava (estupidamente) aquelas consultas como consultas de rotina da Felly e não como consultas de rotina da gravidez. Uma parte de mim continuava em negação.

Assenti e encolhi os ombros. Suspirei pesadamente e continuámos ambos à espera. De súbito, ouvimos a médica a chamar o meu nome. Ajeitei o meu vestido e voltei a dar-lhe a mão, caminhando para dentro do consultório com ele. Depois de entrarmos cumprimentei a médica como sempre e sentei-me em cima da maca, como sempre. Ela mediu-me a tensão e fez uma careta. Só me deixou mais nervosa. Respirei fundo e vi-a levantar-se, voltando para me auscultar. Depois disso tudo, ela virou-se para mim.
- Passou-se alguma coisa entre vocês os dois ou com a sua família? Está muito agitada e acelerada, Felice. Sente-se bem? Está com a tensão demasiado alta - Começou por me dizer. Ah, então isso quer dizer que se calhar já devia ter vindo cá mais cedo, por me sentir acelerada? Oh meu deus. Contei-lhe rapidamente como me tenho sentido, e o que pensei que fosse: nada de especial. Ela ordenou que eu subisse ou retirasse o vestido e que subisse depois para a maca. Mikko ficou aos pés da mesma, acariciando-me a perna. Eu estava mais nervosa do que nunca. Era como se tivesse o coração a palpitar atravessado na garganta. Respirei fundo e esperei que a médica começasse a ecografia

Aquela médica assustou-nos aos dois. Por isso mantive-me perto dela, a tentar mantê-la calma enquanto tudo se passava. Quando a ecografia começava e viam-se as imagens no ecrã, era sempre estranho.

- Oh céus.. - Foi o único comentário que eu ouvi depois de uns minutos de silêncio. Levantei a cabeça, olhando-a ainda mais assustada - O que é se passa, doutora? - Perguntei de imediato. Ela permaneceu calada, continuando com aquilo. Assim que terminou, ela limpou-me e ajudou-me a sentar para falar comigo - Como eu tinha dito antes, a tensão alta não faz nada bem ao bebé.. E pelo que me pareceu, o bebé não está bem, Felice - Começou ela - Ouviste o coração do bebé? Tanto o teu como o dele estão demasiado acelerados. E para além disso, ele não está a receber os nutrientes suficientes. Está a crescer mais do que devia, e a engordar pouco... Vamos ter de vos seguir com muito mais regularidade. Se a tua gravidez já era arriscada por causa do tumor, agora é muito mais... Temos de te seguir, fazer exames e assim... Tens de ter muito cuidado, o bebé pode até falecer, ou então podes abortar.. E já sabemos todos que isso é altamente perigoso, porque tu também podes falecer. Aliás, o parto em si já ia ser complicado.. Ainda todos os riscos e perigos aumentaram - Explicou. Eu olhei para Mikko, e mal conseguia acreditar. Senti as lágrimas nos olhos e comecei a soluçar - Mas, mas.. O bebé.. O meu bebé.. - Murmurei enquanto as lágrimas caíam, colocando a mão na barriga

As más noticias caíram que nem uma bomba. Só o pensamento de poder perder Felly... oh não, era demasiado. Ela estava em perigo. Ela e o bebé. - Não há nada que possamos fazer para diminuir os riscos? - perguntei à doutora. Movi-me para mais perto de Felly e agarrei a sua mão.

- Receio que não. Da forma como estão os dois, tenho receio que a medicação que Felice podia tomar faça mal. Tanto a ela como o bebé. Portanto, a única coisa que há a fazer é não se enervar, e nada de esforços. Nada mesmo! Tem de descansar o mais que puder e ter imenso cuidado.. à mínima coisa tem de voltar. Estão os dois em grande perigo.. Por favor acalma-te.. - Afirmou, olhando-me. Eu aninhei-me a Mikko e continuei a chorar sem saber o que dizer. E pela primeira vez, eu pareci maternal - Não quero que aconteça nada ao bebé.. - Sussurrei entre soluços

Não fiz outra coisa senão abraçá-la. A nova realidade de Felice e do bebé era francamente assustadora. - Vamos ter cuidado, Felly. Não vai acontecer nada - murmurei ao seu ouvido.

Eu assenti e continuei abraçada a ele. A médica ficou calada durante uns tempos, e quando larguei o meu namorado para limpar as lágrimas, olhei a médica que aguardava que eu me acalmasse - Agora uma notícia melhor.. Já consegui ver o sexo do bebé.. E é um menino! - Afirmou com um sorriso doce. Depois de me dar algumas indicações e de me dar as ecografias, dentro de um envelope, agradeci-lhe e saímos os dois do consultório. Eu voltei a abraçar Mikko, tentando não chorar

Não pensava em mais nada sem ser em Felice. Ela parecia ter-se ido abaixo. Já fora do gabinete mantivemos-nos abraçados durante uns bons minutos - vai tudo correr bem, princesa.

- Não quero que aconteça nada ao bebé, não quero.. - Murmurei ainda abraçada a ele. Por estranho que parecesse, eu agora estava mais preocupada com o bebé do que comigo mesma, que também corria perigo de vida. Deixei-me ficar abraçada a ele durante mais uns minutos. Quebrei depois o abraço para limpar uma lágrima que entretanto caiu. Comecei a respirar fundo. Eu preciso de me acalmar, e para me acalmar tenho de sair daqui

- E não vai acontecer nada, Felly. Tens de ficar calma, amor. Respira fundo - aconselhei, vendo o seu estado. Acabámos por sair do hospital.

Mikko acelerava cada vez que eu gritava com dores. Ultrapassava tudo e todos, passava sinais vermelhos, fazia de tudo para chegar mais depressa. Assim que chegámos ao hospital, não foi preciso dizer nada. Todos se aperceberam do que se estava a passar comigo. Médicos e enfermeiros vieram de imediato em meu auxílio. Colocaram-me numa maca e levaram-me a correr para dentro. Mikko desta vez veio, por ser o pai do bebé. As dores eram agora constantes, e eu estava mais do que ofegante. Passara-me para uma outra cama, onde me colocaram as pernas suspensas nos suportes próprios. Mikko estava já ao meu lado, limpando-me a testa e segurando a minha mão. Eu gritava com dores. A médica insistia em fazer-me esperar, mas eu precisava de fazer força, eu já sentia o bebé pronto a sair. Quando a médica ordenou, comecei então a fazer força. Eram dores horríveis, e eu gritava que nem louca. Olhei para Mikko com as lágrimas nos olhos - Eu acho que não consigo - Murmurei entre soluços, no primeiro intervalo, enquanto a médica não me ordenava que fizesse força

Toda aquela situação ultrapassava-me. Num momento estávamos a discutir sobre a adopção e no outro estávamos no hospital, o bebé ia nascer. Acontecia tudo tão rápido, deixando-me nervoso e inseguro. A médica de Felice avisara que o parto podia ser perigoso, especialmente com dois meses de antecedência!
- É claro que consegues amor - disse para ela, tentando soar optimista.

Abanei a cabeça ao voltar a sentir as dores intensas - Não, não consigo amor! - Disse, voltando a fazer força depois. A médica encorajava-me que continuasse, dizendo que já via a cabeça do bebé. Aquilo era tão doloroso, era uma dor horrível. Continuei a fazer força enquanto a médica ordenava. Parei depois para respirar, ou tentar. Tive de fazer força mais duas ou três vezes, sendo que a última vez foi a vez que me empenhei mais. Senti finalmente o bebé a sair de mim, sentia-me aliviada. Levantei a cabeça e consegui ver a enfermeira a pegar no meu filho, limpando-o à pressa e levando-o depois - Não! Não levem o meu filho! Ele é meu! O meu bebé! - Gritei para a enfermeira que se afastava, enquanto chorava. Comecei a sentir-me a desvanecer. Olhei Mikko, mesmo antes de perder os sentidos. Quando isso aconteceu, larguei a sua mão, desmaiando

Aconteceu tudo tão depressa que acabei por me perder. Por um lado havia o bebé que não estava a chorar e depois Felly deixara de falar e largou a minha mão. - Felly, amor, acorda! - gritei desesperado. Foi então que as enfermeiras me mandaram embora do quarto, sem se dignarem-me a dizer o que e estava a passar.

Não sei quanto tempo estive adormecida. Não faço a mínima ideia se ainda estamos no mesmo dia sequer. Quando acordei, pareceu-me estar no mesmo sítio. Pareciam todos estar num grande alvoroço. Senti que me estavam a limpar, e pouco depois puseram-me noutra cama. Espetaram-me algo nos braços, e puseram-me uma máscara. Cada vez que piscava os olhos, as coisas já eram muito diferentes. Talvez eu estivesse ainda meio desmaiada, ou coisa do género. Quando abri decentemente os olhos e olhei em redor, estavam a levar-me para um quarto, a correr. Quando senti que pararam, tentei mover-me, mas era como se tivesse toneladas sobre o corpo. Uma médica explicou-me tudo o que se passou, e eu voltei a olhar em redor - O meu namorado? O meu bebé? Quero o meu namorado.. E o meu bebé... - Pedi, pausadamente e quase a chorar. Ela explicou-me que o bebé ainda estava a ser examinado, e que se estivesse bem que ia para a incubadora. Eu comecei a chorar, e ela informou-me que ia chamar o meu namorado e que ele já vinha.

Tinham-se passado três horas. Três longas e infernais horas sem me dizerem nada, sobre Felice ou sobre o bebé. Eu estava-me a passar e não conseguia ficar calmo. Quando uma enfermeira me informou que a minha namorada estava acordada, praticamente corri para o quarto indicado. Mal a vi, mordi o lábio e aproximei-me rapidamente. Beijei o topo da sua cabeça. Ela estava a chorar.
- Felly...

- Onde está o bebé? Eu quero o meu bebé amor, eu quero o nosso bebé.. O bebé está bem? - Perguntei ainda a chorar. A máscara estava-me a incomodar, e eu tirei-a rapidamente. Nem me apercebera que aquilo estava mesmo a ajudar-me a respirar devidamente - Amor.. - Murmurei ao olhar melhor para ele, começando a chorar ainda mais

Odiava vê-la naquele estado - Felly, põe a máscara - Queria que ela se acalmasse. Apertei a sua mão - Não sei do bebé. Não me dizem nada. Acalma-te.

Limpei as lágrimas e voltei a pôr a máscara. Eu mal conseguia respirar, e a soluçar daquela forma ainda era pior. Tive de esperar um pouco para me acalmar e parar de soluçar. Quando conseguia respirar melhor, comecei a falar - Ela disse que o iam examinar e que ia para a incubadora.. - Disse baixinho com as lágrimas nos olhos. Eu queria o meu filho nos meus braços

Eu conseguia compreendê-la. Também estava preocupado e francamente assustado com as noticias que poderiam surgir - Vou ver se descubro, querida. Já volto - Saí do quarto.Quando tentei falar com as enfermeiras, deram-me as mesmas resposta. "Não sei", "Tem te aguardar". Felizmente apareceu uma médica que disse que ia falar com Felice já de seguida. Segui com ela até ao quarto.

Tentei sentar-me na cama quando vi a médica a entrar com Mikko. Não sei porquê mas fiquei aterrorizada quando a vi.
- Ah não, não. Por favor, não te esforces, não te sentes. Deixa-te estar deitada, por favor - Pediu, chegando rapidamente ao meu lado esquerdo, onde estavam as máquinas. Mikko ficou do meu lado direito, segurando a minha mão. - Já tenho notícias sobre o vosso bebé. Milagrosamente, ele está minimamente bem. É muito pequenino devido a ter nascido ao sétimo mês de gestação, e pesa menos do que o esperado como já era de esperar. Tem grandes dificuldades em respirar, e teve uma paragem cardíaca logo após o parto. Daí não ouvirmos o bebé a chorar... Mas ele agora está bem. Está na incubadora. Talvez neste momento quem esteja pior és tu, e não ele.. - Disse, olhando as máquinas - Respira fundo, vá.. O bebé está bem, dentro dos possíveis. Ele vai ficar bem, Felice. E assim que puderes, tu vais vê-lo à incubadora, está bem? - Informou, esboçando um pequeno e doce sorriso. Eu olhei Mikko e sorri abertamente
- O nosso bebé está bem amor..

Mordi o lábio ao ouvir aquilo tudo. Estava comovido como nunca antes estivera. A médica acabou por sair, deixando-nos sozinhos. - Agora trata de ficares bem para ires ver o bebé. - disse, controlando a emoção na minha voz.

- O nosso bebé está bem amor.. - Disse bastante contente, deixando as lágrimas cair. Agora não eram de tristeza ou de preocupação, mas sim de alegria. De alegria, pois o nosso filho estava bem. Segurei bem a sua mão, entrelaando os meus dedos nos seus e limpei as lágrimas com a outra mão