Ruas

Eu julgara que conduzir um ferraria ia ser mais divertido. Naquela situação, não o era minimamente. Felizmente, o carro era muito mais rápido e assim chegámos depressa ao hospital. Ajudei-a a sair do carro e depois a entrar no hospital.

Assim que entrámos dirigimo-nos rapidamente à recepção e disse de imediato que era urgente e que estava cheia de dores na zona do ventre. Chamaram de imediato uma médica, que até veio com uma cadeira de rodas. Franzi o sobrolho face ao que via e suspirei. - Por favor, deixe ele vir comigo - Afirmei, apontando para o Mikko. Felizmente, deixaram. Eu conseguia ouvir os seus passos rápidos atrás de mim. Depois, quando estávamos num quarto, a médica começou a examinar-me e a fazer algumas perguntas. Contei-lhe como tenho andado, que sou ou fui bulímica e que me disseram que era uma virose.
- Isto não me parece ser uma virose, rapariga. Vamos fazer umas análises e vou informar para que mandem os resultados urgentemente - Afirmou, saindo depois com grande correria. Tirar sangue, que horror. Não deixaram Mikko aproximar-se, ele teve de ficar sentado no canto. Voltaram a sair e quando dei por mim, estava outra vez num hospital, ligada a fios. A maquineta ao meu lado, que mostrava os batimentos cardíacos, era enervante. A médica voltou cerca de meia hora depois, com um sorriso de canto.
- Tal como eu desconfiava, isso não é virose nenhuma. Não podes beber álcool, devias de saber disso, no estado em que estás - Sorriu e olhou Mikko quando o olhei
- No estado em que estou? Como assim? - Perguntei sem entender nada
- Felice, tu estás grávida. E isto que te aconteceu, foi uma ameaça - Disse sem grandes demoras, com um ar sério.
Sentia o meu coração a parar, a bater mais devagar. Eu sentia-me a entrar em pânico. Olhei Mikko, ainda sem saber o que dizer ou fazer. Não me deixes, disse eu, mas mexendo só os lábios. Senti uma lágrima cair, e a maquineta começou a disparar sons mais irritantes
- Felice, acalma-te por favor. Não te podes enervar

Eu fiquei a observar tudo de longe. Raios dos médicos, não me davam espaço para estar ao pé de Felice. Eu fiquei realmente preocupado quando deram como oficial o internamente dela e a ligaram a uma máquina.
Estava ansioso e nervoso com os resultados. Temi que ela estivesse pior. Mas depois a médica disse «grávida». A palavra não entrou na minha mente. Grávida? Porra! Levantei-me abruptamente - Isso não pode ser verdade. Não é verdade. Usamos sempre preservativo e ela até tomou uma pilula do dia seguinte uma vez! - ela não podia estar grávida.

- Meu amigo, isso não quer dizer nada. Os preservativos podem romper-se, e a pílula do dia seguinte, se tomada com outros comprimidos ou se beber álcool entretanto, perde todo o seu efeito. Os resultados estão aqui mesmo - Afirmou, mostrando-lhos - Agora faça o favor de se acalmar, por favor. A sua namorada está grávida, teve uma ameaça e se continuar naquele estado de nervos, pode até mesmo perder o bebé - Disse-lhe, num tom sério.
A enfermeira tentou acalmar-me e injectou-me algo para isso mesmo. Quando eu já estava um pouco mais calma, a médica disse a Mikko que ele podia ficar se não me enervasse. Pouco tempo depois, saíram as duas e deixaram-nos a sós. Eu só senti as lágrimas nos olhos e sem conseguir evitar, comecei a chorar. - Mikko.. - E se ele me deixa? Não, ele não me pode deixar, não!

Eu não estava conformado. Merda. Tudo isto era uma grandessíssima merda e eu ainda não estava plenamente consciente da situação. Que se lixe tudo... Neste momento estava fora de mim - Não Felice! - respondi rigidamente. Não queria falar, muito menos com ela.

Era como se me sentisse praticamente a morrer, outra vez. Eu não o fiz sozinha, o bebé também é dele! Porque é que ele está chateado comigo? Que mal lhe fiz eu? Recostei-me na maca e deixei-me ficar a chorar, limpando as lágrimas apressadamente. Naquele momento só me apetecia arrancar aqueles fios todos e fugir dali

Apesar de o meu coração fica quebrado ao ouvi-la chorar, não fiz nada. Nem me dignei a olhar para ela. Tinha de sair dali. Odiava hospitais mas naquele momento o meu ódio era enorme - Tenho de sair daqui - disse e saí porta fora.

- Mikko! - Chamei por ele no meio de soluços por causa do choro. Arranquei tudo aquilo do meu corpo e levantei-me apressadamente, correndo atrás dele. Não sei onde raio fui eu buscar forças para o fazer - Mikko! - Gritei por ele quando o estava quase a alcançar, mas os enfermeiros agarraram-me logo e impediram-me de avançar - Larguem! Eu preciso de ir ter com ele, eu preciso dele! - Afirmei bem alto, tentando soltar-me enquanto chorava

Eu segui pelos corredores do hospital. Não aguentava nada daquilo, só me queria ver livre do edifício. Precisava de ar fresco e rapidamente. Quando passei para o páteo exterior, ignorei a regra do "não fumar" e tirei o maço, acendo de imediato um cigarro. Estou tão lixado. Isto é uma merda. Grávida? És um idiota, Mikko.

Obviamente, ninguém me deixou seguir mais do que aquilo. Toda a gente olhava para mim, confusa, excepto os enfermeiros que me agarravam e a médica que entretanto chegou. A médica teve de me convencer a voltar para o quarto, praticamente. Tentou acalmar-me e quando eu já não estava aos gritos a chamar por ele, ela ajudou-me a ir para o quarto. Tinha os braços meio inchados e pisados por ter arrancado tudo à força. Com a ajuda de enfermeiras, voltei a deitar-me na cama de hospital. Voltaram a enfiar-me aquelas coisas horríveis nos braços, e em pouco tempo, estava a ouvir novamente aquela maquineta infernal e irritante que mostrava os meus batimentos cardíacos. - Onde está o Mikko? O meu namorado? - Perguntei à médica quando a vi injectar-me alguma coisa.
- Penso que está lá fora. Por favor Felice, não se enerve. Tem de descansar. Ias perdendo o bebé, rapariga. E se continuares assim tão nervosa, podes mesmo vir a perdê-lo. Tenta descansar, está bem? Eu vou tentar falar com o teu namorado. - Passou-me a sua mão suave e macia pela testa e eu assenti, e respirei fundo. Ela entretanto acabou por sair e eu fiquei ali sozinha.
- É o namorado da Felice? - Perguntou assim que avistou Mikko e se aproximou significativamente dele - Está mais calmo?

Eu estava completamente perdido em pensamentos. E raios, não estava a gostar nada disso. A minha mente estava uma confusão desgraçada. Continuei a ar passas no cigarro até que alguém interpelou por mim. Oh boa, a médica. Revirei os olhos.
- Sou - respondi desinteressadamente e encolhi os ombros - Estou como estou. A doutora não tem de me fazer perguntar. A sua paciente é a Felice, não eu.
- Acontece que o bem estar da minha paciente envolve o senhor.
Tremi ligeiramente. Eu deixara Felly sozinha, no quarto. A verdade é que tinha sido pelo melhor. Ainda me passava mais se continuasse lá dentro.
- Oiça, a sua namorada precisa de calma e apoio. Está a fazer exactamente o contrário. Pense nisso. Ela precisa de si - vendo que eu não lhe ia dizer mais nada, acenou e virou costas, caminhando de volta para o dentro do hospital.

Eu recostei-me da melhor forma que pude, debaixo daquele lençol fino do hospital. Eu estava sozinha ali, não tinha ninguém ali. Será que o Mikko se foi embora? Eu preciso dele, eu amo-o. Ele agiu como se eu tivesse feito uma grande asneira e se fosse a culpada de um grande crime. Eu não fiz o bebé sozinha e não esperava nada disto, tal como ele. Ele vai-me deixar, não vai..? E face a pensamentos como este, comecei a chorar imenso, outra vez. Ele não voltava de maneira nenhuma. Eu precisava de alguém ali comigo. Nem importava que fosse a Masha, o Marlon ou até mesmo a Bree. Mas quem eu queria mesmo, era o Mikko. E ele não está... E eu sinto-me péssima. Sentei-me na cama, cabisbaixa, continuando a chorar.

Mordi o lábio com força, a pensar o que ia fazer naquele momento. Não podia ignorar Felice (nem conseguiria tal coisa) por isso limitei-me a pôr a cabeça em ordem, apagar a porcaria do cigarro e entrar novamente no hospital. Ia agir a sangue frio para não recomeçar a passar. Avancei pelos corredores do hospital, sempre de dentes cerrados, até que cheguei ao quarto dela. Abri a porta e entrei silenciosamente. Continuei sem falar.

Mil e uma coisas me passavam pela cabeça. Eu sentia-me destroçada. Não foi assim que eu imaginei a minha viagem para Vegas. Era suposto ser bastante divertida e fazermos mil e uma loucuras. E agora aqui estou eu, internada no hospital, grávida e com uma ameaça de aborto. Por mais que tentasse não chorar, eu simplesmente não conseguia. Quando limpei as lágrimas e alcancei o maço de lenços, vi o Mikko ali. Não tinha dado por ele entrar. Limpei as lágrimas e assoei-me. Continuei cabisbaixa sem nada dizer. O que poderia eu dizer? Nota-se à distância que está furioso, sinto a raiva dele daqui. Até parece que me detesta. Olhava para as minhas mãos que tremelicavam, sem nada dizer

- Como é óbvio, acho que temos de falar.
Mais valia começar daquela maneira, rápida e direta. E preferia falar tudo de uma vez antes que já não soubesse o que dizer. Não queria magoá-la, ou pelo menos não magoá-la mais do que fosse necessário.
- Quero que abortes - limitava-se a isso, basicamente. Desta vez olhei para ela, profundamente nos seus olhos.

Mordi o lábio quando ele disse que tínhamos de falar. era óbvio que tínhamos, e eu tinha bastante medo do que aí vinha, das coisas que ele vai dizer. Olhei-o e esperei que continuasse a falar. Arregalei os olhos quando ele disse que queria que eu abortasse. É claro que ele queria. E eu, o que quero eu? Eu nem sei. Senti uma lágrima a cair e limpei-a rapidamente. Voltei a baixar o rosto e a limpar as restantes lágrimas que caíram. Se é isso que ele quer... - Está bem - Murmurei baixinho, sem o olhar

Fui-me aproximando lentamente da cama onde ela estava. O ambiente dentro daquele quarto estava horrível e notava uma certa distância entre nós os dois, coisa que eu odiava. Suspirei. Estava a odiar tudo aquilo. Abortar era a melhor opção, assegurei a mim mesmo.
- Vou chamar a médica - Disse e fui até ao corredor chamá-la.

Assenti sem o olhar e ergui a cabeça quando ele se dirigiu para o corredor. Eu nem consigo pensar, eu nem acredito sequer que estou grávida. É isto que eu quero? Quero abortar? Ainda nem pensei nisso, e já disse que sim. A médica chegou entretanto e eu mordi o lábio. Eu disse rapidamente que queria abortar e a médica ficou de olhos arregalados a olhar para mim. Olhou para Mikko por instantes e voltou a olhar para mim - É mesmo isso que queres, Felice? Matar o teu bebé? É isso que queres? - Ouvi-la dizer aquilo daquela forma, só piorava as coisas e não ajudava nada.
- Eu quero ser feliz com a pessoa que amo. E se é isto que ele quer, é o que eu quero também... Somos muito novos para ser pais - Concluí num tom bem mais baixo, a olhar novamente para as minhas mãos

Não acredito que a médica ia fazê-la mudar de ideias. Se assim continuasse, era o que poderia acabar por acontecer. Mesmo mantive-me calado enquanto elas as duas falavam. Até que intervim.
- Exactamente, nós somos novos para ser pais - não queria fazer parte da estatística americana para pais sub-21, nem pensar. - Ela pode ou não realizar o aborto aqui? - Não gostava de falar nesta assunto. Queria despachá-lo.

A médica respirou fundo e olhou-o. Ela olhava para ele com um ar bem mais rígido do que para mim. Suspirou e observou-me uma vez mais - Pode, mas não hoje. A Felice está muito frágil e pode correr mal. Sabe que um aborto é pior do que o parto? Não há a possibilidade de darem o bebé para a adopção? - Perguntou, sempre virada para ele

Já percebera que entre mim e aquela médica só havia tolerância e, mesmo esta, era pouca.
Olhei para Felice sem saber o que dizer. Eu queria despachar esta problema e rapidamente. Mas o corpo era o de Felice, a decisão cabia-lhe a ela.

Eu olhei-os aos dois e mexia os meus dedos, entrelaçando-os uns nos outros nervosamente. A médica lá se virou para mim e voltou a falar - Pensem nisso. Abortar é sempre muito complicado. Falo disso porque já passaram imensos casos destes pelas minhas mãos. Felice, tenta descansar ao máximo e amanhã eu volto para ver como estás. - Ela virou-se novamente para ele e falou, naquele tom rígido e sério - Conversem, calmamente. Amanhã voltarei à espera de uma resposta - Disse-lhe, acenando e saindo depois do quarto. Estávamos novamente sozinhos. Eu levei a mão à barriga e respirei fundo

Como era suposto esperar não sei mais quantas horas para resolver isto? Raios. Las Vegas, estás a ser uma desmancha-prazeres neste momento. Não era assim que imaginara as nossas férias na Cidade do Pecado.
Olhei para ela. Da minha parte não havia nada a conversar. Não queria ser pai e pronto. - O que é que tu queres fazer?

- Eu já tinha dito que o fazia.. E é isso que vou fazer - Afirmei sem o olhar. Respirei fundo e lá ergui o rosto, olhando-o finalmente - Tu.. Estás chateado comigo? Pareces.. Furioso - Murmurei, olhando-o sempre. Eu não queria que estivéssemos assim como estamos agora, eu preciso dele, do apoio dele