77th Street

- Ainda bem, não queria que pensasses outras coisas. - disse rapidamente sentindo-me muito nervosa. Às vezes dizia coisas que me soavam bastante naturais mas que quando pensava melhor, percebia que podiam ter um sentido completamente diferente e eu não queria que as pessoas pensassem coisas de mim que não eram verdade. Ou então não me importava minimamente com o que as pessoas pensavam, pelo menos na maior parte do tempo - Pode ser. - respondi-lhe com um sorriso e baixei o olhar para as nossas mãos que continuavam agarradas.

Ri-me baixinho, ela parecia ficar sempre nervosa quando dizia algo fora do "normal" ou então quando estava demasiado próxima de mim e quase a beijar-me. Abanei a cabeça para mim continuando a sorrir.
- Fixe. - disse animado e logo depois começamos a caminhar para um gelataria que houvesse ali perto.

Não tenho tempo para estar a conduzir devagar. A única coisa que eu quero neste momento é chegar à  beira do meu filho o quanto antes. Mas infelizmente as palavras de Mikko não me saíam da cabeça. Toda aquela discussão voltava a aparecer-me na mente, como se de flashes se tratasse. E o estalo que me deu...
Estou a chorar, e nem me apercebi disso. Creio que só me estou a aperceber porque mal vejo a estrada agora e, conduzir a esta velocidade e mal ver o que está à minha frente é uma combinação fatal. Largo o volante por uns momentos e não só limpo as lágrimas como esfrego os olhos. Assim que volto a pôr os olhos na estrada, é tarde demais.
Passei por um semáforo vermelho, e estou agora no meio de um cruzamento. Para não bater noutro carro que vem de frente, travo e viro de repente para um dos lados, o que não só fez o carro derrapar como também dar algumas cambalhotas pela estrada, ficando ao contrário no final.

Merda. Eu tinha feito a maior porcaria da minha vida. Quando a vi sair, não pensei duas vezes e peguei nas chaves do carro para ir atrás dela. Só então me apercebi que ela levara o meu Ferrari. O carro dela era mais lento, pelo que não consegui sair de imediato atrás dela.
Quando finalmente avistei o Ferrari, vi tudo.
Vi-a ultrapassar o vermelho. Vi-a desviar-se do outro carro. Vi-a capotar. 
O meu coração caiu-me aos pés. Travei de repente e sai do carro. Corri até ao Ferrari  - Felly! - Gritei em desespero. Tentei alcançá-la mas o carro estava todo estragado. Pessoas envolveram-se em redor. Alguém deve ter chamado as ambulâncias e os bombeiros que apareceram logo depois. Eu continuei ali a gritar por ela, ela tinha que estar vida - eu não posso viver sem ela- balbuciava.

Ainda estava consciente quando as ambulâncias e os bombeiros chegaram. Eu conseguia ouvir as sirenes, o burburinho que as pessoas faziam, os ruídos de tudo e mais alguma coisa... E Mikko. Ele estava ali, ele tinha vindo atrás de mim. Ele está aqui... Por mim. Ou se calhar sou eu que já estou a ouvir coisas a mais. Quando finalmente me socorreram, eu comecei a ir-me abaixo. A última coisa que senti foi a tirarem-me do carro, com muito cuidado. Tinha os olhos semicerrados, mas ainda conseguia ver. Até que tudo começou a ficar escuro, e eu deixei-me ir. Deixar de estar ali - Mikko... - Sussurrei, mesmo antes de perder os sentidos.

- Estamos a perdê-la - Disse um dos paramédicos para o bombeiro que estava com ele, e rapidamente colocaram Felice na maca e começaram a tentar reanimá-la. Um dos bombeiros que se aproximou para verificar se a sua ajuda era precisa, acabou por ser atacado por um rapaz, que parecia estar muito perturbado - Senhor, acalme-se por favor. Não pode estar aqui. - Ele colocou as mãos nos ombros de Mikko, e afastou-o calmamente da ambulância.