Ruas

A doutora deu como terminada a ecografia. Depois alterou umas coisa na maca, colocando lá uns suportes mais altos. Agora sim, eu tinha a certeza que não queria ver.
- Apenas mais um. Após o tumor, tem de fazer um exame interno para ver os danos. Vai ser rápido mas um pouco desconfortável. Quer o seu namorado aqui ou prefere ter mais privacidade?

Arregalei os olhos quando a vi e ouvi. Oh meu deus.. - Ahm.. - Fiquei confusa e baralhada, olhando para ele - Queres sair, amor? - Perguntei baixinho, olhando-o. Eu queria que ele ficasse, mas via-se mesmo que era o que ele não queria. Não o vou obrigar a ficar. Se quiser sair, tudo bem. Até tenho medo do que ela me vai fazer

- Se não te importares - aquela era a minha deixa para sair do quarto. Beijei o topod a sua cabeça e murmurei ao seu ouvido: - Estou lá fora. Se precisares de mim, já sabes - dito isto, saí do gabinete.

Assenti e observei-o enquanto saía. Levantei um pouco a cabeça e olhei-a - Isso é para..? E o que é que vai fazer? - perguntava um bocado assustada, olhando-a. Voltei a deitar a cabeça ma pequena almofada da maca

Fiquei ligeiramente afastado da porta, encostado à parede. Mais valia não pensar em nada daquilo. Nem bebé, nem, gravidez, nem médicos, nem nada. Pensei no vazio e esperei que lá dentro as coisas corressem rapidamente.

- Respire fundo, e tente manter a calma. Se estiver nervosa será pior.. Não vai doer, apenas será desconfortável, Felice. Vá respirei fundo. - Afirmou depois, colocando as minhas pernas nos tais suportes. Oh meu deus. Levei o braço aos olhos, tapando-os assim enquanto a sentia. Era realmente bastante desconfortável. E tinha de ficar extremamente quieta, ainda pior. E ainda pior, permanecer calma. Yeah, right.
- Pronto, já está - Afirmou, assim que deixei de sentir o seu toque. Ouvi-a depois a tirar as luvas, ajudando-me a tirar as pernas dos suportes. Tapou-me devidamente e levantou-se, indo na direcção da porta. Deve de ir chamar o Mikko, acho eu

Até foi rápido. A médica abriu a porta e deixou-me entrar, garantido que já tinha tinha terminado. Pelos vistos, queria-nos aos dois juntos.
- Desta vez trago boas noticias. O tumor não causou muitos danos - disse a médica - Mas vai ter de fazer exames regularmente para termos a certeza que não há mesmo nada de errado.

- Ainda bem.. E.. Quando é que eu saio do hospital? - Perguntei por curiosidade, quando já estava sentada na maca. Quem me dera puder sair tipo.. Agora!

Aquela era uma pergunta que eu também queria ver respondida. 
- Fica cá a noite apenas por precaução. Se de manhã estiver tudo bem, tem alta.
 

- Oh, finalmente! Espero que esteja tudo bem então, porque estou fartíssima de hospitais.. Eu odeio hospitais.. - Murmurei, abanando a cabeça. Ela riu baixinho e depois ajudou-me a sair da maca, e a sentar-me na cadeira de rodas. Minutos depois, estávamos de volta ao quarto. Ajudaram-me a subir para a cama novamente, mas já não me ligaram àquelas coisas todas. Oh, boa!
- Eu vou ver se lhe arranjam alguma coisa para comer. É muito importante que se alimente bem - Virou-se para Mikko e sorriu-lhe - Certifique-se que ela come bem - Afirmou num tom amigável, saindo depois

Já éramos dois a odiar hospitais. Depois disto, odiava-os ainda mais. 
- Pode deixar que eu certificarei-me - respondi à médica.

Estendi-lhe a mão e sorri quando me deu a sua - Amanhã já vamos embora daqui amor - Sorri-lhe docemente. Sentia-me feliz por saber que, se tudo corresse bem, amanhã ia sair daquele sítio horrível

Por um lado estava satisfeito por isso. Por outro lado... Quando saíssemos daquele hospital as coisas iam ficar reais e não sabia como ia lidar com isso. - Se tudo correr bem, sim.
 

- O que se passa, amor? - Perguntei baixinho enquanto acariciava a sua mão, ao vê-lo pensativo e sério

- Nada, Felice, nada... - murmurei baixinho, desviando o meu olhar do dela. Estava com tantas dúvidas em relação a nós.

- Mikko.. - Sussurrei ao vê-lo desviar o olhar. O que se passa? Oh não, oh não... Ele não me vai deixar por eu estar grávida, pois não? Cala-te vozinha da cabeça, não me deixes ainda mais nervosa e assustada do que já estou!

Verdade seja dita, a últimas 36 horas da minha vida não estavam a ser nada boas. Só tinha receio dos próximos tempos. Mas tinha de estar ao lado dela, para a apoiar. Fitei-a com um leve sorriso.

- Senta, amor.. - Pedi, olhando-o sempre - Queres falar? - Perguntei baixinho, acariciando a sua mão depois. Temos de estar unidos e eu acho que é bom dizermos como nos sentimos, desabafarmos um com o outro..

- Acho que não quero falar de nada enquanto estamos no hospital. - Nem tão cedo, pensei. Caraças, a minha cabeça estava uma confusão.

Suspirei e puxei-o mais para mim, abraçando-o com carinho - Desculpa.. - Sussurrei muito baixinho, sem o largar, escondendo o rosto no seu pescoço

- Porquê que te estás a desculpar? - perguntei. Se havia culpa de alguém, era minha. Tudo isto era culpa minha.

- Não sei.. - Disse ainda mais baixinho, continuando igual. E agora apetece-me chorar outra vez, great. Compõe-te e pára com isso, Felice Scorpius!

- Não tens nada pelo qual te desculpares - disse enquanto a abraçava com jeitinho. Percebi que ela estava outra vez prestes a chorar. Desta vez, não me importaria se ela o fizesse. Estaria ali para lhe limpar as lágrimas.

- Obrigado por estares sempre comigo.. - Murmurei, dando-lhe um beijinho no pescoço. Deixei-me ficar ali assim, começando novamente a chorar. Passou-se tanta coisa, em tão pouco tempo. E a minha recente e única amiga faleceu.. Oh meu deus