Sala de TV

Tinha praticamente acabado de chegar àquele colégio e como não sabia o que fazer comecei a vaguear pelos corredores, parei quando cheguei a uma porta com o nome "sala de tv", encolhi os ombros e entrei dentro da sala sentindo o meu corpo embater contra alguém.

Arregalei os olhos para a rapariga contra a qual eu tinha batido. - Desculpa lá. - disse revirando os olhos. - Também devias andar com mais calma. - disse num meio resmungo, até parecia que a culpa era só minha.

Ok, ela devia estar a achar-se a maior e a rainha ali do sítio. - A culpa não foi só minha. - resmunguei e abanei a cabeça. - Empurra, quero ver isso. - disse com um sorriso meio cínico, aquilo começava bem.

- Estúpida. - resmunguei bem alto para ela me conseguir ouvir. A sério que a primeira pessoa com quem tinha de me cruzar naquele colégio tinha de ter sido aquela rapariga antipática?

Bufei com o seu comentário e caminhei para o quarto que ia partilhar com um ser ao qual ainda não sabia nem o nome nem lhe tinha visto a cara.

Suspirei e depois de ficar um pouco naquela sala a ver um bocado de um filme saí da mesma e fui para o quarto que supostamente ia partilhar com uma rapariga com a qual iria estar casado nos próximos tempos.

Sinceramente, nem sabia onde é que era essa tal sala de cinema. Teve de ser ele a guiar-me para lá. Não fiz mais perguntas, não fiquei a saber se estavam lá dvd's ou tinhamos de trazer o computador e ligar lá, mas o génio ia ser ele agora, deixei-o conduzir-me. Era um sítio acolhedor, agradável, perfeito para o assustar num bom filme de terror, às escuras. - Então e qual é o filme? - perguntei finalmente, sentando-me num dos assentos.

Eu ainda não tinha ido até aquela sala, mas antes de vir para o Monroe tinha feito uma pesquisa sobre tudo o que havia e em que condições. Por isso sabia que havia uma enorme reserva de filmes numa box informática do colégio, o que era impressionável, mas naquele momento não jogava muito a meu favor. Liguei a box e peguei no comando, depois fui-me sentir e escolhi um assento suficientemente afastado de Melanie - Deixa-me ver a lista e já escolho.

Acenei com a cabeça e levantei-me normalmente - Tudo bem, vou deixar surpresa. Vou ver se arranjo qualquer coisa para comermos - e, sem esperar pela resposta dele, saí dali. Não sabia sequer onde havia de ir. Acabei por ir ao bar. Claro que não havia pipocas, por isso trouxe uma quantidade exorbitante de chocolates. Por estas e por outras é que estava com um rabo tão grande. Ainda passei pelo quarto, para lhe dar tempo. Provavelmente ele seria demasiado atrapalhado para escolher tão rápido um filme. Finalmente, voltei. - Olá - cumprimentei alegremente ao entrar.

Enquanto Melanie estava fora, dei uma vista de olhos à lista de filmes disponíveis, contrariado por ter de pesquisar na área do terror. Só as capas eram suficientes para me fazer arrepiar mas não me ia armar em mariquinhas. Ia mostrar-lhe que não era assim. Escolhi um que não me parecia tão assustador assim. Quando ela entrou, o filme já estava pronto ara ser visto e sorri, satisfeito comigo mesmo e a tentar mentalizar-me para o que ia ver - Hey - roubei-lhe um chocolate. Ia precisar.

Pousei os chocolates no chão perto dele, e sentei-me num sítio o mais próximo possível também. Tinha de estar presente para ele morrer de medo. - Isto vai ser bonito. - comentei, completamente feliz. Esperei que ele ligasse o filme.

A proximidade para com Melanie não me agradava muito, ela ainda podia ver algum dos meus tiques nervosos e perceber. Não queria parecer um frangote. Eu tinha 18 anos, por amor de deus! Mordi o lábio e cliquei no play.

Espreguicei-me, dando-me um ar de quem não quer saber. E não queria. Não havia nada para ter medo. Abri um dos chocolates e fui comendo, lentamente, ao longo do filme. A história não era nada demais, mas não tinha sido mal escolhida. De vez em quando olhava-o, para ver se havia algum sinal. Ainda não tínhamos chegado a meio, quando, finalmente, o filme começou a ter mais acção. Eu própria me arrepiei.

Acho que me aguentei muito bem nos primeiros minutos do filme. Até aquilo começar mesmo a ser assustador. Devorei nervosamente duas barras de chocolate. Estava encolhido no meu assento. Fechei os olhos imensas vezes.

Era muitíssimo raro assustar-me num filme, mas que podia eu dizer, ele tinha escolhido bem. Notei que ele estava com medo, mas nem conseguia mandar piadas porque eu própria estava capaz de ter um ataque. Aproximei-me dele, assustada, e de vez em quando, punha a cabeça no seu ombro para não ver as cenas. Demasiado sangue, demasiado suspense. Suponho que tanto eu como ele queríamos parar aquilo, mas o orgulho não deixava nenhum o fazer. Estavamos também próximos e algo íntimos, mas com a fragilidade toda, era algo que nem notavamos.

Chegou a uma altura em que nem sequer me importava com a proximidade. Aliás, até era muito bem vinda e certa forma ajudou-me a não começar a panicar. - caraças - praguejei numa cena que me deu vontade de gritar, mas contive-me. Subitamente estava com uma enorme vontade de me fazer de forte para Melanie. Inconscientemente, passei o meu braço pelos ombros dela e apertei-a. A cena estava-me a meter medo.

Deixei-o abraçar-me à vontade e até me juntei mais a ele. Esquisito, e no entanto muito desejado e natural. Precisava daquele conforto, naquele momento. Era a pior cena até agora. Virei os olhos de novo para o ombro dele mas a curiosidade fez-me olhar para a televisão. Apanhei nada mais nada menos que a cena mais nojenta que alguma vez tinha visto num filme de terror, ou na realidade. Tossi, mas consegui prender o vómito. Levantei-me de súbito e continuei a tossir, de costas para ele, até ter de acender a luz. Ainda ouvia gritos do televisor, mas não via nada. Já tinha lágrimas nos olhos e dificuldade em respirar. Não, não ia ver mais aquele filme! Tive de ceder.

Eu estava hirto no assento, petrificado e horrorizado. O meu coração batia tão depressa que pensei que me fosse saltar do peito. Porquê que ainda estou a ver isto? Foi quando Melanie se levantou e distraiu-me do horror que passava no ecrã. Apressei-me a clicar no comando, mas ele caiu-me da mãe e ainda demorei até desligar a televisão. Por fim, fi-lo. - Errr... - Eu estava traumatizado para a vida, isso era certo, mas não consegui ficar indiferente às lágrimas dela. Levantei-me e toquei-lhe no rosto, lentamente - hey, já acabou.

Inspirava e expirava rapidamente, tentando recuperar o folgo, quando senti alguém a tocar-me. Bolas, ele ainda estava ali. A minha reação foi afastar-me dele, a limpar as lágrimas - Sim, sim - concordei, com uma voz baixinha e aguda - Está tudo bem... - repetia para mim mesma, sentindo o estômago às voltas. Tão cedo não ia voltar a ver os meus adorados filmes de terror. Fiquei assim um bocadinho até perceber o que se tinha passado e a minha proximação com Zade. Arrepiei-me - Pronto, acabou - voltei ao meu estado natural e suspirei, apesar de na realidade ainda estar deveras assustada.

Por momentos foi como se tivéssemos posto tudo o orgulho e mau-humor de lado e até foi agradável. Mas que pensava eu? Nós não estávamos destinado a dar-nos bem e quando ela se afastou, isso tornou-se bem claro. Não suspirei, não fiz uma careta, não fiz nada. Só queria sair daquela sala e nunca mais ver um filme de terror na vida - Tens um gosto péssimo, sabes? Os filmes de terror não prestam - acabei por admitir que não gostava.